Na Terra dos Gigantes

A nossa equipa de guias rumou à Noruega para explorar o P.N. Jotunheimen e desbravar uma nova viagem de trekking.

"É  um trabalho duro, mas alguém tem de o fazer”, costuma dizer o António. Em Junho de 2024, cinco membros da nossa equipa de guias rumaram ao coração da Noruega para explorar o Parque Nacional de Jotunheimen e preparar uma nova viagem de trekking. O desafio passava por identificar uma rota adequada para uma travessia em autonomia no parque natural mais alpino da Noruega, um dos territórios de montanha mais imponentes da Escandinávia.

Jotunheimen, que significa “terra dos gigantes” na mitologia nórdica, é uma paisagem moldada pelo tempo e pelo gelo. Para quem o percorre, Jotunheimen impõe respeito. As paisagens imponentes e a exigência de caminhar em autonomia pedem resistência e perseverança. Cumes que ultrapassam os dois mil metros, vales escarpados e lagos glaciais espelham um ambiente inóspito — um cenário onde a natureza se impõe com uma presença silenciosa e profundamente arrebatadora.

O processo implicou decisões constantes: avaliar desníveis, identificar zonas para acampamento e prever opções em caso de mau tempo. Neste trabalho de preparação, a experiência do Ruben Lopes na Lapónia acrescentou uma perspectiva cultural singular. Ao longo da travessia, partilhou histórias sobre os Sami e a forma como a sua vida tradicional está profundamente ligada ao ritmo da natureza. Contou-nos, por exemplo, que as auroras boreais são vistas como manifestações espirituais — sinais enviados pelos antepassados, que iluminam o céu em momentos de ligação entre o mundo terreno e o espiritual. Ouvir estas histórias enquanto caminhávamos por esta paisagem acrescentou outra camada à nossa jornada: a consciência de que este território, por mais remoto que pareça, tem memória e voz.

A Terra dos Gigantes revela-se em contrastes marcantes. Lagos de um azul turquesa recortam vales profundos; cascatas descem em força pelas encostas de rocha nua; glaciares repousam entre cumes escarpados, vestígios visíveis de uma era de gelo que moldou toda a região. Por vezes, o trilho serpenteia por campos de pedras soltas e encostas áridas; noutras, mergulha em bosques de bétulas e coníferas, atravessando ribeiros cristalinos. Há uma sobriedade nesta geografia, mas também uma intensidade bruta que nos acompanha a cada passo.

Entre subidas exigentes e pausas necessárias, foram também surgindo instantes inesperados — uma manada de renas em movimento, uma perdiz vermelha imóvel no trilho. Instantes que não se planificam, mas que fazem parte do que procuramos proporcionar: experiências que ligam o viajante ao lugar.

A cada dia, a equipa afinava o percurso e ganhava mais certeza de que Jotunheimen merecia um lugar entre as viagens em autonomia da Nomad. Esta não é uma travessia para iniciantes. É uma jornada pensada para quem procura desafio, para quem valoriza a exigência do essencial e o privilégio de atravessar uma paisagem bruta, sem ornamentos.

No final destes dias, ficou mais do que a satisfação de termos desenhado uma rota fiel ao espírito do lugar. Levámos também a vivência partilhada entre pessoas diferentes, mas unidas pela mesma forma de estar no mundo. Ao longo da travessia, entre decisões, silêncios, cedências e pequenos gestos, foi crescendo um entendimento que ultrapassa o simples cumprir de uma tarefa ou de um objectivo. Criaram-se vínculos que não se forçam, mas que nascem naturalmente quando o ritmo abranda e há espaço para o outro. São estas relações, construídas passo a passo, que procuramos em cada itinerário: lugares que nos desafiam, sim, mas sobretudo que nos aproximam.

Texto do Tiago Costa com fotografia do António Luís Campos